O Fantástico mostra imagens e depoimentos inéditos que ajudam a contar o caso do policial federal Ronaldo Massuia Silva, que abriu fogo na lanchonete de um posto em Curitiba. Depois de uma discussão com outros clientes, ele matou uma pessoa e feriu outras três – todas indefesas.
Fim da noite do feriado de 1º de maio. Clientes da lanchonete de um posto de Curitiba parecem ter conseguido se livrar de um homem alterado, que está acompanhando de uma mulher. Ela tenta ir embora com ele, mas desiste. Poucos minutos depois de ter saído da loja, ele atira na porta e dá mais dois tiros. Esses três disparos não acertam ninguém. Nem todos os clientes conseguem fugir. Quem ficou se joga no chão e procura se abrigar.
O músico Matheus Coelho e a namorada tentam se proteger, quando ele, atrás da gôndola, é atingido na perna pelo primeiro dos tiros que o agente da polícia federal disparou contra pessoas indefesas. Pessoas que nem sequer tinham participado da confusão quando ele abordou o segurança da loja.
“Como se fosse um terrorista, à caça, e atirava nesses que estavam deitados”, conta o delegado da Polícia Civil do Paraná Wallace de Oliveira Brito.
“Deu um medo de morrer”, afirma o músico Matheus Coelho.
A motorista Priscila de Almeida Dal Negro é uma das vítimas que estavam na varanda da loja de conveniência. Ronaldo deu três tiros nela. Eduardo Pribbnow da Cruz, namorado de Priscila, também levou três tiros.
“Eu não o vi vindo, porque estávamos no chão. Depois que eu fui ver o que realmente estava acontecendo quando eu senti a minha perna (…). E aí eu fui sentindo mais dores. Foi onde eu senti a dor do peito. O tiro da barriga, eu só fui ver no hospital. Porque eu senti muito forte a minha perna e senti muito no peito, até porque atingiu o pulmão”, conta Priscila.
“Ele foi me dar um tiro na cabeça e eu botei a mão na frente. Aí a bala pegou no meu relógio, e o relógio no punho, e os estilhaço voaram no meu olho, os estilhaços do meu relógio”, conta Ronaldo – que perdeu a visão de um olho.
A advogada Milena Christie Brotto também estava na varanda da loja, com o namorado, o fotógrafo André. Tinham saído de um show. Milena não foi atingida, mas Ronaldo matou o namorado dela com três tiros. Depois dos disparos na varanda, Ronaldo sai da loja com a arma em punho. Mas volta.
“Eu penso: ‘Poxa, se ele vê que eu estou viva ou se eu gritar ele também atira em mim’. Então me fingi de morta”, conta a motorista Priscila.
Ronaldo anda pelo posto e depois resolve se sentar numa mureta do estabelecimento. É quando a polícia chega, e ele é preso. Foram 15 disparos em cerca de um minuto. Um minuto que parecia não ter fim.
Fotos, que fazem parte do inquérito, mostram Ronaldo em uma casa noturna de Curitiba. Em um vídeo, o policial discute com um homem na porta. Depois da confusão, o gerente da casa noturna, que conhece o policial, liga para uma amiga de Ronaldo, também frequentadora do local. Ela vai até lá. É a mulher que aparece no vídeo tentando impedir que o policial entre de novo na loja onde faria o ataque.
O agente da Polícia Federal Ronaldo Massuia Silva entrou na Polícia Federal em 2003. Dez anos depois, respondeu a uma sindicância com base em uma lei que trata de negligência ou não cumprimento de ordem, e ainda desrespeito a superior hierárquico. O processo administrativo disciplinar também se baseou em uma segunda lei, que impõe como dever tratar as pessoas com civilidade. O resultado foi a suspensão de 12 dias. O agente recorreu então à Justiça Federal, dizendo-se inocente e pedindo a nulidade do processo. Em 2022, o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça.
Segundo colegas policiais federais e o advogado de Ronaldo, ele vinha bebendo muito: “Ele está sob observação psiquiátrica no Complexo Médico Penal”, conta Alexandre Salomão, advogado de Ronaldo.
Ao ser preso, o policial federal disse que preferia não falar, mas tentou se justificar: “De alguma forma, no princípio das coisas, eu agi em legítima defesa. Só que, assim, eu estou muito emocionalmente abalado”.
A Polícia Federal “instaurou processo disciplinar” sobre o caso e disse que não pode se manifestar sobre o histórico funcional e questões médicas de seus quadros. O inquérito já foi concluído. O policial foi indiciado por homicídio e sete tentativas de homicídio.
Outras denúncias
O Fantástico apurou que, esta semana, o Ministério Público de Santa Catarina denunciou Ronaldo pelos crimes de resistência, lesão corporal e desacato. Em fevereiro de 2021, ele foi detido por policiais militares na cidade de Imbituba porque, na época, devido à pandemia, um decreto municipal impedia aglomeração de pessoas.
Segundo o boletim de ocorrência, a PM de Santa Catarina relatou que o agente estava “totalmente alterado”, “visivelmente embriagado e exaltado”, chamando os policiais de “soldadinho”. A denúncia ainda não foi aceita pela Justiça.
Sobre esses casos, o advogado de Ronaldo diz em nota que “as diligências requeridas pela defesa, que ajudariam a esclarecer os fatos, não foram até agora realizadas” e que “após os fatos ocorridos no posto de gasolina, o órgão acusador decidiu impulsionar o processo”. A nota diz também que a defesa está aguardando julgamento de um recurso no STJ.