Atividade é regular e acontece todos os anos no país, mas, de acordo com especialistas, pode ser vista agora como “um sinal de alerta”
Cerca de 30 mil militares de países parceiros e aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) iniciaram, na segunda-feira (14), uma série de exercícios militares na Noruega, no âmbito da chamada Cold Response 2022 (Resposta Fria 2022, em inglês). A atividade é regular e acontece todos os anos na Noruega, mas, de acordo com especialistas, pode ser vista agora como “um sinal de alerta” por parte da Otan, em um momento de grande tensão na Europa, com a invasão da Ucrânia como pano de fundo.
Afinal, o que é esta operação militar e por que ocorre agora na Noruega? Como a Rússia poderá interpretar este exercício?
O ex-embaixador de Portugal na Otan, Martins da Cruz, e o coronel José Henriques explicam à CNN Portugal qual o motivo este exercício?
O que é a Cold Response da Otan?
É uma série de exercícios militares que leva para a Noruega milhares de soldados – cerca de 30 mil, neste caso– provenientes dos países aliados e parceiros da Otan com o objetivo de testar a sua capacidade de trabalhar em conjunto em condições atmosféricas adversas, com temperaturas negativas, gelo e neve. Estes exercícios, que tiveram início na segunda, e que se prolongam até ao dia 1º de abril, somam os três ramos das Forças Armadas – aérea, terrestre e naval – e envolvem 200 aeronaves e cerca de 50 navios.
Em sua página oficial na Internet, a Otan explica que a prática destes exercícios conjuntos permite identificar o que funciona e o que precisa de ser melhorado para garantir uma resposta eficaz a qualquer ameaça ou crise. Não se trata de uma operação militar com propósitos ofensivos, mas sim de um treinamento.
Por que na Noruega?
De acordo com o ex-embaixador de Portugal na Otan, Martins da Cruz, não é por acaso que estes exercícios acontecem na Noruega. “o país tem muita importância pelos seus centros de observação no círculo polar ártico, que permitem observar a circulação da frota russa e dos submarinos russos que saem pelo norte da Noruega em direção ao Atlântico Norte.”
Além disso, acrescentou, “dos três países nórdicos que passam pelo círculo polar ártico [Noruega, Suécia e Finlândia], a Noruega é o único que é membro da Otan”, então é natural que a aliança utilize esse território para “treinar as suas forças em clima frio e hostil”.
Na verdade, a Noruega recebe exercícios militares da Otan desde o início da década de 1950. Como se pode ler na página oficial da Otan, ao longo das últimas décadas, “a Noruega ajudou os aliados e parceiros [da Otan] a aprenderem a trabalhar em conjunto no seu terreno acidentado do norte”, sendo que a Cold Response ocorreu pela primeira vez em 2006.
Sinal de alerta ou uma “provocação” da Otan?
Apesar de se tratar de um exercício regular, que, de acordo com a Otan, acontece duas vezes por ano na Noruega, nesta ocasião ele pode ser interpretado como “um sinal de alerta” dirigido à Rússia por parte dos países do tratado. É assim que o coronel José Henriques interpreta este exercício, rejeitando a ideia de uma “provocação” por parte da Otan.
“Pode ser um aviso, de que [a Otan] está em estado de alerta, mas não mais do que isso”, argumenta. O especialista rejeita a ideia de que possa sair desse movimento uma escalada da tensão militar. “Se quisessem provocar [o presidente russo Vladimir Putin], iam fazer isso na Dinamarca, na Polónia ou na Lituânia”, e não na Noruega, um país que fica muito longe das linhas de conflito com a Ucrânia.
Martins da Cruz também rejeita a ideia de que este exercício possa ser visto como uma provocação da Otan: “É um exercício regular, que já estava previsto e que se realiza todos os anos, de maneira que não pode ser visto como uma provocação.”
Para o antigo embaixador de Portugal na Otan, “é um sinal que os países da Otan enviam à Rússia dizendo que, apesar do que está acontecendo e das forças suplementares que estamos enviando para os países que fazem fronteira com a Ucrânia e com a Rússia, nós continuamos com os exercícios que já estavam planejados, sobretudo este, que é para preparar eventuais agressões russas em um clima hostil”.
Foco de Putin é a Ucrânia, mas ele tem de pensar no dia seguinte
Henriques diz acreditar que a “grande preocupação” da Rússia, neste momento, é a Ucrânia, rejeitando assim o foco de tensão em outro país, algo que tem sido motivo de preocupação, sobretudo tendo em conta o avanço das tropas russas para a fronteira com a União Europeia.
Mas, “mesmo que Putin resolva o problema na Ucrânia, terá sempre o dia seguinte”, acrescentou, o especialista sobre a resistência ucraniana. Para Henriques, não facilitará a vida da Rússia no país. E é neste cenário que o especialista fala na eventual “queda de Putin”.
“Imaginemos o seguinte cenário: a Ucrânia é obrigada a capitular, porque o presidente [Volodymyr Zelensky] não quer que ocorra um massacre, e vai para o exílio, juntamente com o seu governo. Em sua substituição, vai para a Ucrânia um governo fantoche, sob as ordens de Moscou. Esse governo não é aceito pelo povo ucraniano, que, apoiado por nós, vai continuar a fazer uma guerra contra os russos”, diz.
Henriques completa que, para o governo não caia no dia seguinte, Putin tem de manter milhares de homens na Ucrânia para o proteger. “E essa é que é uma situação, que, com o desgaste, pode conduzir à queda de Putin”.
Avanço das tropas russas
A Rússia avança pela Ucrânia desde o dia 24 de fevereiro. Atualmente, conseguiu avanço pelas regiões Sul – subindo pela Crimeia e pelo Mar de Azov – e Leste, a partir das regiões separatistas de Luhansk e Donetsk. Os russos, porém, não tiveram êxito na tentativa de capturar a cidade portuária de Mariupol, onde o cerco de dias causa falta de água e combustível.
Outros dois pontos de resistência ucraniana são Mikolaiv e Odessa, também ao Sul. Odessa é uma cidade portuária muito importante, dando acesso ao Mar Negro. Sem conquistar Mikolaiv, ainda não foi possível avançar para essa região por terra.
O exército invasor também avançou pela parte Norte da Ucrânia, por mais que também não tenha conseguido nenhuma conquista de cidades mais expressivas na região. Kharkiv, a segunda maior cidade do país, por exemplo, sofre com bombardeios intensos, mas continua sob controle ucraniano.
Fotos tiradas na segunda mostram danos em Mariupol. As imagens de satélite oferecem a única visão da mais recente destruição na cidade.
O Hospital Regional de Terapia Intensiva de Mariupol, no bairro Zhovteneyvi, tem um buraco na fachada sul do prédio, enquanto os detritos também estão espalhados do lado de fora.
Não está claro qual lado é responsável pelos danos no hospital. Perto do prédio do hospital, vários complexos de apartamentos parecem ter sido significativamente prejudicados, com um aparentemente sofrido danos visíveis por incêndio.
Cerca de um quilômetro e meio ao sul, no bairro de Primorskyi, várias casas são vistas em chamas após um aparente ataque militar. Complexos de apartamentos próximos também sofreram danos, enquanto outras casas em uma área residencial no centro da cidade também estão enfrentando preocupações.
Míssil russo em território da Otan?
Não é impossível que mísseis russos possam atingir território Otan, mas é muito improvável, disse o ministro da Saúde britânico Sajid Javid na segunda, acrescentando que a aliança responderia se isso acontecesse.
Questionado sobre a possibilidade de mísseis russos atingirem um território da Otan após um ataque a uma base de treinamento militar ucraniana perto da Polônia, Javid disse à rádio BBC: “Não é impossível, mas ainda acho que, neste estágio, é muito improvável”.
“Deixamos muito claro para os russos, mesmo antes do início deste conflito, mesmo que uma única biqueira russa entre em território da Otan, então será considerado um ato de guerra”.
Os russos querem que a Ucrânia mude sua Constituição para resguardar neutralidade (fora da Otan), além de considerar Crimeia como território russo e reconhecer as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk como territórios independentes.