A Procuradoria Regional da República da 1ª Região, unidade do Ministério Público Federal que julga casos de segundo grau, denunciou a prefeita de Tarauacá, no interior do Acre, Maria Lucinéia Nery, e o secretário de Obras do município, Antônio Rosenir Silva Arcênio, por exploração indevida de um terreno onde um menino de 12 anos morreu soterrado em 2022.
De acordo com o MPF, Maria Lucinéia Nery e Antônio Rosenir Silva Arcênio são responsáveis pela retirada de barro de um terreno do Exército Brasileiro, mesmo após a administração municipal ser notificada.
A denúncia afirma que a extração de material do terreno ocorreu de dezembro de 2021 a junho de 2022, e que os denunciados “usurparam, sem autorização legal, matéria prima pertencente à União, consistente na exploração de 10.200m³ (dez mil e duzentos metros cúbicos) de material saibroso (barro e areia) em área de propriedade da União (Exército Brasileiro) localizada na zona urbana de Tarauacá/AC, causando um prejuízo estimado em R$ 372.402,00”.
Por essa alegação, o MPF denunciou os acusados no artigo 2 da Lei n.º 8.176/91, que trata sobre crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Além disso, segundo o órgão, os agentes públicos também devem ser acusados por executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida, artigo 55 da Lei n.º 9.605/98.
A denúncia pede o pagamento de R$ 372.402 em danos materiais, estimativa com base no valor do bem mineral extraído, e R$ 50 mil em danos morais causados aos entes públicos e à comunidade do município.
O g1 entrou em contato com a prefeita e não obteve retorno até esta publicação, e não conseguiu contato com o secretário.
Pedido da prefeitura
Consta na denúncia do MPF que em novembro de 2021 Maria Lucinéia pediu autorização ao Comando de Fronteira Juruá/61º Batalhão de Infantaria de Selva para que máquinas da prefeitura fizessem a abertura de canais e retirada de material para nivelamento em terreno que pertence ao exército. A gestora justificou a necessidade da obra para um projeto de drenagem e alargamento de uma avenida próxima ao terreno com a finalidade de evitar desmoronamento, e que seria necessário mover um barranco.
Foi concedida uma autorização prévia para a retirada de material do barranco para o dia 1º de dezembro de 2021. Porém, segundo o órgão, a autorização foi utilizada para outros fins, como a exploração de barro e areia no local.
“Uma vez obtida a referida autorização, Maria Lucinéia, em comunhão de desígnios com Antônio Rosenir Silva Arcenio, secretário de obras de Tarauacá/AC, promoveram o completo desvirtuamento dos trabalhos realizados pela prefeitura na área, determinando que fosse iniciada, em dezembro de 2021, a exploração irregular de barro e areia no local, o que gerou a formação de duas cavas profundas localizadas bem no interior do amplo terreno – em locais muito distantes, portanto, da via pública”, afirma o documento.
Com o avanço da exploração, o Comando de Fronteira Juruá/61º Batalhão de Infantaria de Selva se reuniu com a prefeita e encaminhou notificação em março de 2022. Após a comunicação, Maria Lucinéia fez um novo pedido, dessa vez, para a cessão temporária do terreno por 120 dias para ser utilizado na Expo Tarauacá, e que para essa utilização, seria preciso fazer intervenções no solo.
A nova solicitação foi concedida, e, segundo o MPF, continuou a ser desvirtuada para a exploração mineral sem autorização, e “sem atendimento à solicitação do exército de reposição do cercamento do perímetro”. A exploração do terreno pela prefeitura só teve fim após a morte de Lucas Mesquita da Silva, de 12 anos, no dia 12 de junho de 2022, que morreu soterrado no local. O secretário foi indiciado por homicídio simples no caso.
Indiciamento por homicídio
O secretário de Obras de Tarauacá, interior do Acre, Antônio Rosenir Silva Arcênio, foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, pela morte do adolescente Lucas Mesquita da Silva, de 12 anos, em junho de 2022.
A criança brincava com amigos em um barreiro – local usado para extração de areia, no bairro Ipepaconha, quando foi soterrado, resgatado pelos bombeiros com vida e morreu na sala de emergência do hospital da cidade.
O Ministério Público do Acre, por meio da Promotoria Cível de Tarauacá, instaurou um procedimento para apurar eventual ilegalidade em relação à ausência de licenciamento ambiental e “consequente extração ilícita de barro do local”.
A Vara Criminal da Comarca de Tarauacá acolheu o indiciamento do secretário feito pelo MP-AC. O processo destaca que a prefeita da cidade, Maria Lucinéia Nery, e o secretário faziam extração ilegal de areia onde menino morreu soterrado. É solicitado também o indiciamento da prefeita por isso.
Contudo, por conta do foro privilegiado da gestora, o juiz de direito Guilherme Aparecido do Nascimento Fraga encaminhou o processo para o Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC).
“Portanto, para o Supremo Tribunal Federal, o prefeito deve se submeter ao Tribunal de Justiça do Estado em que exerce sua função, pois o foro privilegiado se dá por prerrogativa de função e não pela pessoa”, destaca parte da decisão.