Cruzeiro do Sul, Acre 23 de novembro de 2024 19:35

‘Eu os reconheci pela bagagem’, diz homem que perdeu mulher e filhos em bombardeio na Ucrânia

Tatiana Perebeinis era contadora em uma empresa de tecnologia e fugia com seus filhos da cidade de Irpin quando morreu. Marido soube da morte da família ao ver foto no Twitter.

“Eu os reconheci pela bagagem.” Foi desse jeito que o ucraniano Sergii Perebeinis soube que a sua mulher Tatiana Perebeinis e os filhos Alise e Nikita estavam mortos. O ataque que matou os familiares de Perebeinis foi filmado e causou comoção.

A família tentava sair da cidade de Irpin, quando foi atingida por um bombardeio no domingo (6). Ele não estava no local no momento da explosão.

O vídeo registra um grande estrondo e, logo em seguida, os corpos de quatro pessoas no chão. São Tatiana e seus dois filhos, além de um homem que não faz parte da família e foi identificado como Anatoly Berezhnyi, de 26 anos. Alise tinha 9 anos e Nikita, 18.

Em entrevista ao jornal “The New York Times”, Sergii relembra os últimos contatos com a família. O plano de fuga tinha sido discutido com a mulher, que era contadora em uma empresa de tecnologia, detalhadamente nos dias anteriores.

O programador estava, desde meados de fevereiro, em Donetsk, sua cidade natal, no leste da Ucrânia controlado pelos rebeldes, para cuidar da mãe, que estava doente com Covid-19. Por isso não acompanhou a família e se culpava por isso.

“Eu disse a ela: ‘Me perdoe por não poder defendê-la'”, lembra. “Eu tentei cuidar de uma pessoa, e isso significa que não posso protegê-la”, conta sobre a conversa na noite anterior ao bombardeio. Foi o único momento em que Perebeinis chorou durante a entrevista.

Ele conta que Tatiana respondeu: “Não se preocupe, eu vou sair”.

Sergii tentou monitorar a família com um aplicativo de geolocalização, mas eles estavam no porão, sem sinal, durante a noite anterior. Depois, ele viu que eles estavam em casa, mas não havia nenhum sinal de movimentação.

A próxima notificação do grupo foi em um hospital de Kiev. Ele tentou ligar, mas nenhum dos três atendeu.

Foi quando soube pelo Twitter que uma família havia sido morta em uma ataque de morteiro na rota de evacuação de Irpin.

Logo depois, ele viu um post com a foto deles no chão. “Eu os reconheci pela bagagem”, diz Perebeinis.

Foto: Sergii Perebeinis/Reprodução/Facebook

Mesmo que sejam imagens fortes, ele acha importante o registro fatal de sua família em fotos e vídeos. “O mundo inteiro deveria saber o que está acontecendo aqui”.

Os pais de Tatiana também tentavam fugir com a filha e os netos, mas estavam alguns metros atrás e saíram ilesos.

Cachorrinho da família também morreu

Antes da entrevista ao jornal norte-americano, Sergii fez vários posts sua família.

“Levaram todos eles. Tania [apelido de Tatiana] não suportou. Por que isso para mim? Quem é o próximo? Estou no caminho. Devo vê-los uma última vez. Perdoem-me, eu não os protegi”, escreveu.

O marido fez ainda um post contando que o cachorro da família, que havia sobrevivido inicialmente à explosão, foi levado a um veterinário e teve uma pata amputada, mas acabou morrendo.

Foto: Sergii Perebeinis/Reprodução/Facebook

“Obrigado ao jornalista que mostrou humanidade”, escreveu sobre uma foto que mostra um repórter carregando o cão ferido após o ataque.

“Infelizmente o meu bom amigo voou para eles agora. 11 anos de emoções que você nos deu. Havia esperança de que pelo menos alguém ficasse. Mas vamos todos”, escreveu sobre o cãozinho.

Andriy Dubchak, um jornalista que registrou o ataque, disse no Facebook que Sergii e Tatiana vinham da região de Donetsk e fugiram da guerra entre separatistas russos e forças ucranianas, iniciada em 2014, para viver na região de Kiev.

A empresa onde Tatiana trabalhava também publicou uma homenagem. Ela era contadora-chefe numa companhia de tecnologia chamada SE Ranking.

“Estamos devastados em dizer que ontem nossa querida colega e amiga Tatiana Perebeinis (…)foi morta junto com seus dois filhos por artilharia de morteiro russa”, disse a empresa.

“A família estava tentando fugir de Irpin – uma pequena cidade perto de Kiev que ficou sem abastecimento de água, eletricidade e aquecimento”, detalha a nota.

“Para nós, é crucial não deixar Tania e suas filhas Alise e Nikita permanecerem apenas estatísticas. Sua família foi vítima do fogo não provocado contra civis, o que sob qualquer lei é um crime contra a humanidade. O exército russo é criminoso e deve ser detido”, diz a empresa.

O cerco russo a Irpin

Bombardeios à cidade de Irpin, nos arredores da capital da Ucrânia, neste domingo (6), deixaram oito pessoas mortas, segundo o prefeito. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky prometeu vingança contra as tropas russas pelo episódio.

A cidade de Irpin está localizada no centro-norte da Ucrânia. Ela fica ao noroeste da capital Kiev, com a qual faz limite, e ao sul de Hostomel, onde há um aeroporto cujo controle é disputado desde o início da guerra.

Foto: Arte g1

Irpin é um território importante para os dois países envolvidos porque sua tomada pelos russos pode significar um avanço para a conquista de Kiev pelas tropas de Vladimir Putin. Do outro lado, manter a cidade sob controle ucraniano reforça a barreira nos arredores da capital, onde estão localizadas sedes de importantes instituições do poder nacional da Ucrânia.

Nesta última semana, Irpin se tornou uma das linhas de frente do confronto entre tropas russas e ucranianas. Ataques aéreos causaram danos severos à infraestrutura local, com ao menos um prédio residencial sendo destruído quase que por completo.

Segundo a agência de notícias Associated Press (AP), nesta segunda-feira (7), Irpin já completava três dias sem abastecimento de energia elétrica, água e aquecimento para ambientes internos – é inverno no hemisfério norte. Moradores relataram que soldados russos estariam se apropriando de residências e carros na região.

Foto: Andriy Dubchak/AP

Funcionários locais falam em 30% da cidade sob controle dos russos. O restante ainda estaria sendo controlado por forças ucranianas.

Diante da situação, milhares de residentes estão deixando a localidade.

Com os russos já dentro do território, moradores de Irpin estão deixando a cidade em direção a Kiev, em uma tentativa de se afastar das tropas de Putin. Para isso, precisam cruzar uma ponte que passa sobre o rio Irpin.

Porém, para dificultar a vida dos russos e atrasar a chegada de blindados à capital por, forças de defesa ucraniana explodiram a ponte.

Tábuas de madeira foram colocadas entre os escombros para criar uma passagem, ainda que instável, para que os habitantes da cidade deixem o local. Para isso, também contam com a ajuda de soldados ucranianos.

Nos últimos dias, trens também estão realizando o trajeto de Irpin até Kiev, levando majoritariamente mulheres e crianças. Os demais, seguem o percurso a pé.


Foto: Carlos Barria/Reuters