Cruzeiro do Sul, Acre 28 de novembro de 2024 06:03

Cor e gosto do som: jovem com condição rara que mistura sentidos compartilha percepções na web

Na letra da canção “Quando falo de Amor”, o sambista Arlindo Cruz canta que o “amor é cheiro e tempero, é sabor de todas as cores do céu”. Perceber uma emoção como um ou vários sentidos – sentir o cheiro e sabores de algo que só se vê, por exemplo – isso é a sinestesia.

Algumas pessoas têm a capacidade de experimentar na prática essa mistura de sensações. É o caso da capixaba Ana Eulália, de 19 anos, que nasceu em São Gabriel da Palha e hoje mora em Vitória. Há cerca de seis anos ela descobriu que, diferente de grande parte das pessoas, tinha uma condição que permitia com que ela visse cores e formas e sentisse sabores, texturas e temperaturas a partir dos sons.

“Meu choque mesmo foi descobrir que não era todo mundo que tinha isso. Mas a sinestesia, para mim, é tão antiga quanto respirar. Eu só fui descobrir que não era uma coisa comum com 13 ou 14 anos. Imagina que você sentiu cheiro de pão a sua vida toda e descobre que quase mais ninguém sente cheiro de pão”, explicou Ana Eulália.

A partir da descoberta, a jovem passou a fazer desenhos de como percebia os sons, para mostrar às outras pessoas o que seria a experiência de alguém com sinestesia.

“Eu quis desenhar, primeiramente, porque sempre via coisas muito bonitas nas músicas. Quando eu fecho os olhos eu vejo aquela obra de arte se formando e acho fantástico. Também para divulgar um pouco para as pessoas como a sinestesia funciona”, falou Eulália.

Ana Eulália contou que essas sensações diferenciadas influenciam no gosto musical dela e que a fazem preferir músicas com arranjos mais complexos, com mais instrumentos.

Entre as canções preferidas, a estudante de biologia citou “Bohemian Rhapsody”, da banda Queen, que ela definiu como “uma aventura”, tamanha riqueza melódica. Ana Eulália disse que músicas “mais simples”, com menos instrumentos, não são tão prazerosas para ela.

“Acho auditivamente agradável, só que visualmente não muito. Por isso também que eu acabo não gostando muito do gênero funk, não sou muito fã”, explicou a jovem.

Repercussão na internet

Ana Eulália tem uma conta no TikTok com mais de 700 mil seguidores, onde compartilha seus desenhos e experiências sinestésicas a partir dos sons.

Sobre a repercussão das publicações dela na internet, Ana Eulália disse que ficou surpresa e muito feliz que mais pessoas tenham se interessado em saber mais sobre essa condição. Com o alcance, ela conheceu outros que têm a mesma condição que ela.

“Agora que eu gravei o vídeo, acho que as pessoas começaram a se identificar. Então muita gente veio me falar ‘nossa, quer dizer que isso que eu tenho a vida toda tem um nome, chama sinestesia?’. Agora conheço muitas pessoas próximas a mim que vieram relatar os acontecimentos sinestésicos delas”, contou.

No vídeo em que ela explica a condição, que soma mais de 18 milhões de visualizações, a jovem disse que, para ela, vozes femininas costumam ter gosto doce, enquanto as masculinas tem gosto salgado ou amargo.

Segundo a estudante, o tom de voz não interfere nessa percepção do gosto, que é sempre a mesma, mas influencia as texturas e desenhos que se formam.

“Uma colega de classe, quando eu tinha uns 14 anos, falava com uma voz muito manhosa. Para mim essa voz sempre teve gosto de leite puro. Um dia eu estava mais estressada, ela não parava de falar, e aquele gosto de leite… eu detesto gosto de leite. Fui ficando enjoada, enjoada, tive que ir no banheiro jogar uma água no rosto, estava tendo até uma ânsia de vômito”, relatou.

Ainda assim, Ana Eulália disse que, na maioria das vezes, as experiências sinestésicas são prazerosas.

“Eu particularmente gosto muito da sinestesia, na maior parte do tempo ela é boa para mim, me permite desenhar, me permite assistir uma música. Eu realmente me sinto bem. E graças a essa ‘esquisitice’ minha que eu ganhei tanta visibilidade. Eu diria que eu gosto muito dela e não trocaria por nada”, afirmou.