Cruzeiro do Sul, Acre 26 de novembro de 2024 23:53

Canadense presa com cocaína no aeroporto de Guarulhos diz ser vítima do golpe da herança

Após passar 32 dias presa na Penitenciária Feminina da Capital, na zona norte da cidade de São Paulo, a canadense Cara Marie Naylor, de 58 anos, luta para provar sua inocência. Em fevereiro deste ano, ela foi flagrada com três quilos de cocaína no fundo falso de uma mala no Aeroporto Internacional de Guarulhos, embarcando em um voo que tinha como destino final o Chipre –país do Mediterrâneo europeu. Ela afirma ter sido vítima do chamado “golpe da herança” e que não sabia que carregava a droga.

A moradora de Esterhazy, cidade com cerca de 3.000 habitantes no sudeste da província de Saskatchewan, no Canadá, conta que recebeu um e-mail em novembro de 2020, indicando que ela tinha uma herança de U$$ 8,5 milhões para receber. Ao questionar sobre os próximos passos para receber o dinheiro, Cara foi orientada a vir ao Brasil para assinar documentos, país onde o suposto dono do dinheiro teria vivido. Daqui, ela embarcaria para o destino final para resgatar os valores.

“No começo, eu pensei que não era real, que não poderia acontecer assim. Mas, eles [os supostos golpistas] te convencem e dizem que isso é sim real, é verdade como isso acontece. É como se fosse um milagre e você imagina: ‘por que isso não pode acontecer comigo?’”, explica Cara.

Mãe de cinco filhos e recentemente avó do sexto neto, Cara ignorou o conselho dos familiares e da melhor amiga sobre a possibilidade de se tratar de um golpe devido às inconsistências do que era prometido nos e-mails. Ela decidiu confiar na possibilidade de poder ganhar um dinheiro fácil.

Em uma conversa pelo Instagram com a filha Carrie, no dia 3 de novembro de 2021, a canadense demonstrou acreditar na história. Cara conta que a passagem aérea para o Brasil seria paga por um indivíduo identificado como Heinz, que dizia ser representante do Internal Revenue Service (IRS), órgão canadense equivalente à Receita Federal. O receio de Carrie pela segurança de sua mãe não foi suficiente para fazer ela desistir da ideia.

Foto: Reprodução

No dia 5 de fevereiro de 2022, Cara chegou ao Brasil convicta de que assinaria a papelada relativa à herança e partiria para o Chipre para finalmente receber a fortuna prometida. Nas mensagens trocadas com a amiga Karen Maguire, ela fala sobre um “presente” que teria que levar ao Chipre.

Cara chegou a encaminhar à amiga uma foto de uma pessoa denominada Akeem, que a levou ao Aeroporto Internacional de Guarulhos para realizar um teste PCR de Covid-19. Ele teria sido o responsável pelos arranjos necessários para o embarque de Cara para o Chipre e quem entregou a bagagem com o que, até aquele momento, continha um suposto presente para pessoas no outro lado do Atlântico.

Alertada pela amiga e desconfiada do que teria naquela bagagem, Cara ainda chegou a vasculhar a mala mais de uma vez, mas se mostrou mais tranquila após não ter encontrado nada de estranho ali.

Os advogados Thiago Anastácio e Verônica Sterman foram contratados para defender Cara da acusação de tráfico internacional de drogas. Verônica falou sobre o envolvimento da cliente na trama que teria sido criada pelos verdadeiros traficantes.

“Quando ela foi embarcar, estava com a mente tranquila. Primeiro porque ela estava realmente envolvida na história. Ela chegou ao Brasil, assinou um papel parecido com um diploma para liberar [os valores]. Era um papel super bem feito colorido e assinado pelo secretário-geral dos Estados Unidos e com o logo da ONU [Organização das Nações Unidas]”, explica a advogada.

Presa no embarque

Após as diversas revistas na bagagem, Cara conta que decidiu seguir viagem para o Chipre. A ida até o Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, para pegar a fortuna prometida de U$$ 8,5 milhões, aconteceu na madrugada de 8 de fevereiro.

Antes de embarcar no voo que faria escala no Catar, Cara passou a mala com o suposto presente pelo equipamento de raio-x. Nesse momento, os agentes da Polícia Federal responsáveis pela fiscalização perceberam um material escondido nas laterais da mala. Durante a abordagem, os policiais encontraram a substância, que posteriormente foi identificada como cocaína. Foi aí que ela recebeu voz de prisão.

“No começo eu realmente não acreditei, porque eu não achava que havia cocaína na bolsa, mas quando eles cortaram [a mala] e me mostraram, meu coração simplesmente afundou. O que eu ia fazer?”, afirma Cara.

Cara tinha direito a uma única ligação e falou com o irmão, Jack Prier, que também mora no Canadá. Logo em seguida, ele contratou uma advogada aqui no Brasil para tentar tirar a irmã da prisão.

“Eu pensei que tinha que ser uma piada, honestamente. Na família, eu acho que houve alertas, eles falaram para ela que não soava bem”, conta Jack.

Os dias na prisão

Depois de presa na delegacia da PF em Guarulhos, Cara foi levada para a Penitenciária Feminina da Capital, na zona norte de São Paulo. Lá, ela diz que passou por situações que jamais imaginou vivenciar.

“Nos primeiros 15 dias eu realmente pensei ‘eu vou conseguir’, eu pensei ‘Cara, você é muito forte. Você sabe que você consegue passar por isso’”, diz.

Mas os dias foram se passando e a barreira do idioma não foi o único dos problemas enfrentados pela canadense em uma prisão brasileira. Cara conta que as colegas de cela a ajudaram a se alimentar e a fazer a higiene devido à fraqueza decorrente de uma infecção que teve durante a detenção.

“Estava doente e as garotas estavam entrando e cuidando de mim. Especialmente com a barreira do idioma, você não pode dizer ‘me leve a um hospital’! Mas eles me levaram ao hospital duas vezes”, explica.

Cara deixou a prisão no dia 11 de março e agora responde ao processo em liberdade, aguardando a primeira audiência, que acontecerá no dia 18 de abril. Enquanto espera uma decisão da Justiça, ela está morando provisoriamente em uma casa na cidade de São Paulo.

“Espero que a gente consiga provar com todas as mensagens. Nós já pedimos e, com as imagens do aeroporto, até para mostrar que quando ela foi abordada, qual foi a reação dela. Nós já pedimos para que a Polícia Federal faça uma perícia no celular dela para que mostre mesmo como foram essas conversas. A gente pretende, quando esses elementos de prova vierem, apresentar todos eles ao juiz para que ele possa interrogá-la e ter certeza de que, de fato, ela é inocente”, finaliza a advogada Verônica.

O Ministério Público Federal de São Paulo informou que depois de oferecer a denúncia, por tráfico internacional de drogas, se “manifestou contrariamente à revogação da prisão preventiva”. Entretanto, “a prisão preventiva foi revogada, já que a ré, além de estar próxima dos 60 anos, manifestou interesse em colaborar com a Justiça”. Por fim, o órgão disse que o processo está sob sigilo e que não poderia fornecer mais informações.

CNN segue aguardando um posicionamento da Polícia Federal sobre as circunstâncias da prisão. Uma nota foi divulgada pelo departamento no dia do fato.