Cruzeiro do Sul, Acre 15 de maio de 2025 19:39

Após ser atacada pelo próprio cão, acreana se prepara para cirurgia: ‘A luta emocional continua’

O que era um dia comum para a técnica de enfermagem Natani Santos, de 35 anos, se transformou em um dos episódios mais marcantes e dolorosos de sua vida. Moradora de Ji-Paraná (RO), ela foi atacada no rosto pelo próprio cão, um chow-chow adotado ainda filhote, e agora se prepara para uma delicada cirurgia de reconstrução labial. O procedimento será realizado gratuitamente por um projeto voltado a pessoas com deformidades faciais, mas o impacto emocional, segundo ela, ainda é o mais difícil de enfrentar.

A cirurgia de reconstrução será feita em Santa Catarina, por meio do projeto Leozinho, idealizado pelo cirurgião bucomaxilofacial Raulino Brasil, que desde 2021 já atendeu mais de 30 pacientes em situação de vulnerabilidade. Natani, que voltou para casa no mesmo dia do ataque, agora aguarda a retirada dos pontos para iniciar a primeira etapa do procedimento.

Para arcar com os custos de passagens, alimentação, hospedagem e o pós-operatório, ela lançou uma vaquinha online. “A cirurgia é um alívio, mas a luta emocional continua. Por ser da área da saúde, consigo lidar com o ferimento. O difícil é não ter mais meu cão por perto”, desabafou em entrevista ao G1.

O episódio ocorreu no início de uma manhã de segunda-feira, dia 5. Segundo Natani, Jacke rosnou momentos antes de morder, mas o ataque foi rápido e surpreendente. “Me afastei quando ele rosnou, mas ele avançou e, logo em seguida, se encolheu. Parecia ter consciência do que havia feito”, relembra.

Jacke, que convivia com a família há cinco anos, foi levado pelo marido de Natani ao Centro de Zoonoses, por precaução e proteção ao filho do casal. A suspeita de raiva foi descartada.

Relação afetiva e luto emocional

Natural de Rio Branco (AC), Natani vive em Ji-Paraná com o marido, o filho de 8 anos e uma gata. Ela adotou Jacke quando o animal ainda era filhote e lembra com carinho da companhia dele durante um período de depressão profunda. “Ele era muito carinhoso, sempre ao meu lado. Dói demais não tê-lo mais comigo.”

Apesar do trauma, ela evita qualquer tipo de discurso de ódio. “Entendi a decisão do meu esposo. Não quisemos correr o risco de que algo pior acontecesse. Mas nunca desejei o mal ao Jacke. Acredito que ele esteja bem, talvez com um novo tutor”, diz.

Após relatar sua experiência nas redes sociais, Natani recebeu tanto mensagens de apoio quanto comentários negativos. “Muitas pessoas julgam sem saber da nossa história. Tento levar com leveza, rir quando dá. Minha mãe veio do Acre para cuidar de mim. Isso tem sido essencial.”

Além da enfermagem, Natani também se dedica à música, compõe e sonha em cursar medicina. Mesmo diante da dor, ela mantém o desejo de alertar outras pessoas: “Não quero que deixem de ter animais por causa do que vivi. Só reforço a importância do adestramento e do acompanhamento profissional.”

A técnica da cirurgia

O procedimento de reconstrução labial será feito com enxerto retirado da própria língua da paciente, uma técnica complexa, mas eficaz. O cirurgião Raulino Brasil explica que a lateral da língua será parcialmente cortada e ligada ao lábio por uma “ponte” de tecido viva, permitindo a irrigação necessária para a integração do novo tecido.

Durante 21 dias, o enxerto permanecerá conectado à língua, até a formação completa do novo lábio. Após isso, outras cirurgias de refinamento serão realizadas. A recuperação, segundo o médico, é rápida, e o impacto na fala e no paladar costuma ser mínimo.

Natani já enfrentou grandes desafios na vida, como uma tentativa de suicídio durante uma crise depressiva. Agora, encara mais uma batalha com coragem e resiliência. “A dor física tem sido mais fácil de curar do que a emocional. Mas sigo tentando, um dia de cada vez.”