Diante do aumento de casos de gonorreia em todo o mundo e do fenômeno da resistência bacteriana aos medicamentos usados para tratar a infecção, as vacinas contra a meningite podem ajudar a melhorar a proteção contra a doença. É o que revelam três novos estudos publicados na revista Lancet Infectious Diseases nesta terça-feira (12).
A gonorreia é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que, se não tratada, pode levar a sérios problemas de saúde, incluindo infertilidade em mulheres, transmissão da doença para bebês recém-nascidos e aumento do risco de HIV. Mais de 80 milhões de novos casos foram registrados em todo o mundo em 2020.
A diminuição da eficácia dos tratamentos disponíveis contra a bactéria responsável pela doença, Neisseria gonorrhoeae, e a falta de uma vacina para prevenir a infecção levantaram preocupações sobre a possibilidade da gonorreia se tornar mais resistente ao tratamento, ou mesmo intratável, no futuro.
Desde que as vacinas contra a meningite se tornaram mais amplamente disponíveis, estudos mostraram que elas também oferecem certa proteção contra a gonorreia, e que mesmo uma proteção parcial pode reduzir consideravelmente os casos. No entanto, ainda permanecem em aberto questões sobre os impactos e a eficácia do uso de vacinas da meningite contra a gonorreia.
Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu uma meta para reduzir a incidência de gonorreia em 90% até 2030, no entanto, uma vacina eficaz ainda não foi desenvolvida.
Vacina contra a meningite oferece 40% de proteção contra a gonorreia
Os três estudos sugerem que a vacina 4CMenB, contra a meningite, pode oferecer proteção significativa para adultos jovens e para homens que fazem sexo com homens (classificação técnica que inclui gays, bissexuais e pessoas que não se identificam com alguma dessas orientações) que podem estar em maior risco de infecção.
Em um dos estudos, os pesquisadores utilizaram registros de saúde para identificar casos de gonorreia e clamídia confirmados em laboratório entre jovens de 16 a 23 anos na cidades de Nova York e Filadélfia, de 2016 a 2018. Os casos foram então comparados com os registros de imunização no momento da infecção.
Foram identificadas mais de 167 mil infecções (18.099 gonorreia, 124.876 clamídia e 24.731 coinfecções) entre quase 110 mil pessoas. Um total de 7.692 pessoas receberam a vacina 4CMenB, sendo 4.032 (52%) com uma dose, 3.596 (47%) duas doses e 64 (menos de 1%) mais de duas doses.
Os achados apontam que a vacinação completa, que considera o regime de duas doses, forneceu 40% de proteção contra a gonorreia. Enquanto uma dose do imunizante conferiu 26% de proteção.
“Nossas descobertas sugerem que as vacinas contra a meningite que são apenas moderadamente eficazes na proteção contra a gonorreia podem ter um grande impacto na prevenção e controle da doença”, disse o pesquisador Winston Abara, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, coordenador do estudo, em comunicado.
Segundo Abara, novos ensaios clínicos focados no uso da vacina da meningite contra a gonorreia são necessários para entender melhor como funcionam os efeitos protetores, além de trazer informações importantes para o desenvolvimento de uma vacina específica para a IST.
Estudo realizado na Austrália
O programa de vacinação contra a meningite do estado da Austrália do Sul é um dos mais abrangentes do mundo, reunindo inicialmente bebês, crianças, adolescentes e adultos jovens. Em um estudo, os pesquisadores avaliaram a eficácia da vacina da meningite para a gonorreia no contexto desse programa de imunização.
Os autores analisaram dados de infecção por meningite e gonorreia do Departamento de Controle de Doenças Transmissíveis e informações de vacinação contra a meningite do registro de imunização australiano.
Mais de 53 mil adolescentes e adultos jovens receberam pelo menos uma dose da vacina durante os primeiros dois anos do programa de imunização. Além de ser altamente eficaz contra meningite meningocócica B e a sepse em adolescentes e adultos jovens, o regime de duas doses foi 33% eficaz contra a gonorreia.
A pesquisadora Helen Marshall, do Hospital Feminino e Infantil de Adelaide, explica que embora estudos recentes tenham fornecido evidências de que a vacinação contra a meningite esteja associada à redução do risco de gonorreia, a vacina foi oferecida apenas a adolescentes e adultos jovens por curtos períodos.
“A escala sem precedentes do programa de vacinação 4CMenB da Austrália do Sul oferece evidências valiosas do mundo real da eficácia da vacina contra meningite meningocócica B em crianças e adolescentes e gonorreia em adolescentes e jovens. Essas informações são vitais para informar os programas globais de vacinação contra a meningite e as decisões políticas”, afirmou a coordenadora do estudo, em comunicado.
Vacinação preventiva pode evitar 110 mil casos na Inglaterra
O terceiro estudo publicado na revista Lancet avalia o impacto na saúde e o custo-benefício do uso de uma vacina para evitar infecções por gonorreia.
Para isso, os especialistas desenvolveram um modelo de simulação que permite comparar três abordagens de vacinação entre homens que fazem sexo com homens na Inglaterra: a vacinação de todos os pacientes atendidos em clínicas de saúde sexual, vacinação após diagnóstico confirmado de gonorreia ou vacinação preventiva com base no risco de infecção.
Com base na análise e em um balanço de casos evitados comparado ao custo da vacinação, os autores recomendam a vacinação preventiva da população de homens que fazem sexo com homens contra a meningite, o que evitaria cerca de 110 mil casos e economizaria até £ 8 milhões (cerca de R$ 48 milhões) em 10 anos.
“Com uma vacina específica para gonorreia que provavelmente levará anos para ser desenvolvida, uma questão-chave para os formuladores de políticas é se a vacina contra a meningite 4CMenB deve ser usada contra a infecção por gonorreia. Nossa análise sugere que dar a vacina a aqueles com maior risco de infecção é a maneira mais econômica de evitar um grande número de casos”, diz o professor Peter White, do Imperial College de Londres, em comunicado.
Os pesquisadores estimam que a vacinação reduzirá os impactos futuros da resistência antimicrobiana, o que significa que a vacinação seria ainda mais benéfica do que o estimado atualmente.