O doutor Dalvo Neto, de 43 anos, alvo de um inquérito por lesão corporal que reúne denúncias de pelo menos dez mulheres que dizem ter sofrido complicações e sequelas após serem operadas por ele em um consultório na área nobre de Fortaleza, foi procurado por algumas das vítimas pela divulgação que ele faz do próprio trabalho nas redes sociais, uma delas com mais de meio milhão de seguidores.
É o caso da empresária Flaviane Cristina Gadelha, que procurou o cirurgião plástico para fazer uma abdominoplastia por conta da credibilidade que o profissional passava nas redes sociais.
“Procurei o doutor Dalvo por conta do Instagram. O Instagram dele tinha muitas cirurgias bonitas”, afirma a empresária.
Flaviane é uma das ex-pacientes que denunciou o médico. Segundo a mulher, o profissional deixou o umbigo dela deformado após a cirurgia para remover gordura e pele da barriga.
“O meu umbigo necrosou logo de início. Ele pegou uma tesoura no consultório dele e abriu meu umbigo. Ele costurou, deu uns pontos mesmo e ficou horrível, vou levar a marca para o resto da minha vida”, desabafou.
Atuando a mais de 10 anos como cirurgião plástico, Dalvo também é conhecido por atender celebridades cearenses, como cantoras de forró, influenciadoras digitais e empresárias, que divulgavam as cirurgias feitas por ele.
Foi através das divulgações de famosas que a dona de casa Aquila Felix Paiva Nunes saiu da Espanha e veio ao Brasil para colocar próteses de silicone nos seios como doutor Dalvo.
“Eu vi também uma cantora e pessoas conhecidas de Fortaleza que tinham se operado com ele e não aconteceu nada. Então eu achava também que ele fosse uma referência”, disse a ex-paciente, que apresentou necrose nos seios após a cirurgia.
“Quando eu voltei para cá, já fomos a doutora e ela disse que os meus seios estavam necrosados”, afirma Áquila.
Outra mulher, que preferiu não se identificar disse que teve problemas após passar por um procedimento cirúrgico realizado por Dalvo e chegou inclusive a se despedir dos filhos tamanhas foram as sequelas deixadas no corpo dela.
Empresária Flaviane Cristina Gadelha é uma das pacientes que denunciam o cirurgião. — Foto: TV Globo
“Eu me sinto mutilada, não só o meu estético, o meu emocional, o meu psicológico está muito abalado. Com cinco dias de operada eu cheguei a reunir os meus filhos para me despedir deles. A minha cirurgia ficou toda aberta com poucos dias. Em novembro eu resolvi ir às redes sociais falar porque antes disso eu conheci outras vítimas”, relata.
Outra reclamação das pacientes é a dificuldade de conseguir se comunicar com o médico quando os primeiros problemas aparecem no pós-cirúrgico. Segundo elas, é praticamente impossível obter um atendimento para uma avaliação de retorno com o cirurgião.
“Há uma demora no pronto-socorro, no pronto-atendimento frente ao surgimento de algo que fugiu do esperado na cirurgia e quando ele atende tem essa dificuldade de entrar em contato com ele, além disso, ele coloca a culpa nas vítimas. A gente só tem acesso às secretarias dele, nunca tive o número pessoal dele”, afirmou uma paciente.
Tratamento diferenciado
Um ex-funcionária da clínica que optou por não ser identificada confirmou que o médico dava tratamento diferenciado para as pacientes que tinham queixas em relação às que não apresentavam problemas no pós-operatório.
“O primeiro atendimento era uma coisa assim, como se fossem melhores amigos, mas depois do pós-cirúrgico que foi aquela paciente que estava dando problema, ele já não tinha essa atenção, elas inclusiva não entravam pela mesma sala”, revela.
De acordo com Alexandre Kataoka, diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica é direito do paciente ter acesso ao profissional ou a um assistente para acompanhar o pós-operatório.
“Após uma cirurgia, o paciente tem por dever, obrigação e direito de ter acesso ao médico ou a algum assistente do médico. Qualquer problema que o ocorrer no pós-operatório é esse profissional que tem de ser acessado”, alerta.
O que diz o médico
Alexandre Kataoka, diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. — Foto: TV Globo
O médico Dalvo Neto nega as acusações e afirma que fica ao lado das pacientes com problemas após os procedimentos cirúrgicos.
“Eu tenho mais de 3 mil cirurgias plásticas realizadas e um um alto índice de satisfação, só que realmente me dói muito, é muito ruim para mim, eu sofro com as pacientes quando eu vejo uma delas que evolui com a cicatrização inadequada, com um processo infeccioso ou com algum tipo de problema vascular”, diz.
“Eu não posso chegar para ela e maximizar a dor. Eu não posso chegar para ela e dizer: ‘olha, tá tudo errado, está dando tudo de maneira inadequada’ para que ela de alguma forma psicologicamente trabalhe contra ela. Então, muitas vezes, o trabalho do médico não é só de tratar, de passar remédio, de fazer cirurgia, mas simplesmente de acalmar, de tentar ser um braço amigo, de tentar ser uma pessoa que esteja do lado dela, nas coisas boas e nas coisas ruins porque a medicina e a cirurgia é uma sociedade em prol do sucesso da paciente”, completa.
Ações na Justiça
Empresária Flaviane Cristina Gadelha denuncia que o médico Dalvo Neto deixou o umbigo dela deformado após uma abdominoplastia. — Foto: Reprodução
Algumas pacientes conseguiram pareceres de médicos para entrar com ações de indenização na Justiça e também fizeram denúncias ao Conselho Regional de Medicina
“O parecer técnico, na parte da conclusão deixa claro: não há dúvidas em relação à ocorrência do nexo de causa entre as lesões vistas ao exame físico, psiquiátrico e o procedimento cirúrgico. Essa conclusão é suficiente para você entrar com uma ação pleiteando a indenização para confirmar que houve um erro médico”, explicou o advogado Caico Borelli.
O diretor da SBP, Alexandre Kataoka alerta para que os pacientes busquem se informar com muita cautela sobre a procedência e o histórico dos profissionais que oferecem esse e qualquer outro tipo de cirurgia.
“Veja se esse profissional tem uma formação adequada, se é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e que não seja só um profissional que fique mostrando fotos de antes e depois e de resultados ou que tem milhares de seguidores. Isso não demonstra a habilidade desse profissional”, aconselha.
Investigações
Conforme a delegada Anna Victoria, que está a frente das investigações, as vítimas foram ouvidas separadamente e o modus operandi do médico relatado por elas foi o mesmo.
“Me surpreendeu o mesmo modus operandi do suspeito. Justamente após o erro, após uma intercorrência, ele coloca a culpa na vítima questionando as atitudes dela”, afirmou.
Ela disse ainda que após ouvir o médico e outras testemunhas será dado um prazo para que outras vítimas apareçam na delegacia para prestar os seus depoimentos.
Após isso, o caso deverá ser encaminhado para o Ministério Público para decidir se vai fazer a denúncia ou se vai ser necessário fazer outras diligências.
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