Cruzeiro do Sul, Acre 27 de novembro de 2024 13:49

MPF quer agilidade em registro do uso ritual da ayahuasca como bem cultural de natureza imaterial

Um processo administrativo que dura quase 16 anos, sem andamento significativo desde 2015. Esta é a condição do processo de registro do uso ritual da ayahuasca como bem cultural de natureza imaterial no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Acre, órgão do MPF no estado, a demora excessiva contraria o princípio da eficiência da administração pública, previsto na Constituição Federal.

O processo de registro foi iniciado em 2008, a partir de solicitação encaminhada pela Fundação Elias Mansour, órgão do Governo do Acre, e motivada por proposta feita pela Fundação de Cultura Municipal Garibaldi Brasil, em conjunto com o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (CICLU) – Alto Santo, o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus – Fonte Luz e o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV).

De acordo com o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Dias, o bem cultural apresentado na solicitação é o uso ritual da ayahuasca nos contextos religiosos do Santo Daime, Barquinha e UDV, instituições religiosas tradicionalmente conhecidas no Acre pelo uso ritualístico da ayahuasca.

As entidades apontam que o registro de práticas culturais construídas por seus “Mestres fundadores” a partir de meados do século passado na Amazônia ocidental, mais precisamente nos estados do Acre e Rondônia, se justifica por apresentarem elementos históricos e culturais ricos e específicos, marcantes nas sociedades acreana e rondoniense.

Processo paralisado – Após o recebimento do pedido administrativo, o Iphan determinou, já em 2008, o levantamento de informações adicionais e mais abrangentes, o que resultou na realização do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) dos Usos Rituais da Ayahuasca, concluído em 2013. Segundo o procurador Lucas Dias, ao analisar o resultado da atividade, o instituto identificou a necessidade de ampliação do objeto do procedimento de registro para abarcar de modo mais representativo os grupos sociais que estabeleceram e a ancestralidade dos usos indígenas da ayahuasca, o que demandou um trabalho de pesquisa específico.

Em março de 2015, representantes do Alto Santo, da Barquinha e da UDV apresentaram ao Iphan uma nova manifestação, assinada em conjunto com o então governador do Acre e o então prefeito de Rio Branco, para propor o avanço no registro por meio do reconhecimento das práticas já́ analisadas pelo Iphan até o momento. De acordo com a manifestação, as práticas indicadas apresentam particularidades justificadoras do recorte proposto, sem prejuízo da expansão do registro por meio de futuras pesquisas e avaliações.

Em resposta a essa solicitação, em junho de 2015, o Iphan reafirmou a importância de incluir os usos indígenas da ayahuasca no processo de registro e a necessidade de expandir a pesquisa para outras comunidades. Para isso, foi desenvolvido projeto executivo para realizar levantamentos de dados sobre as práticas indígenas ligadas à ayahuasca. No entanto, o Departamento do Patrimônio Imaterial apontou que a execução do projeto, nos termos em que foi elaborado, exigiria logística complexa e custos elevados, o que tornava inviável sua implementação imediata. Desde então, o processo de registro não avançou significativamente, o que faz com o processo já se arraste por quase 16 anos.

Registro progressivo – O procurador regional dos Direitos do Cidadão avalia que, apesar de correta a percepção da necessidade de reconhecimento das práticas indígenas e de outros grupos envolvidos com o uso ritualístico da ayahuasca, os fenômenos culturais propostos inicialmente para registro apresentam peculiaridades que justificam um recorte próprio. “Parece ser possível a realização do registro dos bens culturais de modo progressivo, por meio de reconhecimento de práticas culturais com aspectos específicos, sem impedimento de subsequente ampliação da atividade de pesquisa para alcance dos demais grupos, sob pena de se desperdiçar por completo o trabalho já́ realizado ou postergar demasiadamente a proteção de bens culturais por meio dos instrumentos a cargo do Iphan”, declarou Lucas Dias.

O procurador destaca ainda que, conforme o artigo 5º da Constituição Federal, os órgãos da administração pública devem exercer suas atribuições em tempo hábil, para não causar eventual prejuízo aos administrados, além de terem a obrigação de atender ao princípio da eficiência, também previsto na Constituição.

A PRDC encaminhou representação sobre o caso ao ofício do MPF no Acre que atua na área de meio ambiente e patrimônio cultural, que avaliará as providências a serem tomadas.

Foto: Reprodução/Internet

Com informações, Assessoria de Comunicação MPF/AC