Cruzeiro do Sul, Acre 24 de novembro de 2024 21:32

Condenado por racismo, idoso que não quis ser atendido por delegado negro no Acre vai pagar 2 salários mínimos

O idoso Raimundo Rufino, de 69 anos, que não aceitou ser atendido pelo delegado Samuel Mendes e pediu um “delegado branco”, foi condenado por racismo no último dia 20. O réu pegou um ano de reclusão, contudo, o juiz Danniel Bomfim, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco, converteu a pena à prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos.

“O réu deverá iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade anteriormente dosada em regime aberto. Por força do que dispõem o Art. 44 e seguintes do Código Penal, converte-se a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, isto porque a condenação fora inferior a quatro anos de reclusão e por não ter sido o crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o que por certo admite como suficiente essa substituição, fazendo jus então, a referida substituição, obrigando-se, por consequência, à prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos”, diz parte da decisão.

O g1 não conseguiu contato com o advogado do acusado.

O idoso foi denunciado pelo Ministério Público do Acre (MP-AC) em junho do ano passado. Conforme a denúncia do MP-AC, no dia 3 de janeiro de 2023, o idoso procurou a Delegacia de Polícia Civil da 2ª Regional, no Conjunto Habitacional Cidade do Povo, no Segundo Distrito de Rio Branco, para um atendimento e quando foi apresentado ao delegado de polícia teria feito comentários racistas.

Na época, Modesto Rufino, filho do idoso, disse ao g1 que a família não tinha conhecimento da tramitação do processo e alegou que o pai não era racista.

Ainda na denúncia, o MP-AC destacou que o delegado vítima estava trabalhando no dia e informou ao idoso que ele era quem faria o atendimento, o acompanhando até a entrada de sua sala. Foi então, segundo a denúncia, que o idoso perguntou: “onde está o delegado?”. Neste momento, a vítima informou novamente que era o delegado responsável pelo atendimento. Assim, o denunciado se recusou a entrar na sala e disse: “não, mas eu queria ser atendido por um delegado branco”.

O MP-AC informou ainda que, ao ser ouvido em sede policial, o idoso disse que não era verdadeira a acusação e que no dia dos fatos foi até a delegacia e a policial que fez o registro o encaminhou até “um homem negro com barba” e que em nenhum momento falou que queria ser atendido por um delegado branco.

Prisão na delegacia

Raimundo Rufino tinha ido na Delegacia de Polícia Civil da 2ª Regional registrar um boletim de ocorrência contra uma vizinha que o estava ameaçando. Ele foi preso por racismo ao recusar ser atendido pelo delegado Samuel Mendes.

Em audiência de custódia, a juíza de direito Andréa da Silva Brito concedeu a liberdade provisória a ele, determinando medida cautelar de comparecimento mensal em juízo para justificar suas atividades e, comprovação de residência fixa.

Na época da prisão, o filho do idoso, Modesto Rufino alegou que o pai não é racista, tem problemas de audição e faz tratamento psiquiátrico no Hospital de Saúde Mental do estado (Hosmac). Ele alegou, na época, que o pai, ao pedir um “delegado branco”, se referia a um colega de Samuel Mendes.

Na delegacia, o idoso disse que possui dificuldades em ouvir após a Covid-19. “Se eu soubesse que Samuel Mendes fosse delegado não teria nenhum problema em ser atendido por ele”, afirmou o parente.

Delegado Samuel Mendes foi vítima de racismo dentro da delegacia da 2ª Regional — Foto: Arquivo pessoal

“Ele já tinha ido outras vezes lá [na delegacia] e conversado com um delegado, que ele não se lembrava o nome, mas, por isso o chama de delegado branco. Ele sempre ia com esse delegado, que o escutava, era uma forma de psicólogo. Meu pai não é racista e não entrou no gabinete porque não era o delegado que ele queria”, disse na época.

Porém, diferente do que disse o filho, o idoso alegou em depoimento que foi a primeira vez que foi até aquela delegacia e que não conhecia ninguém. Raimundo Rufino também tem outros processos relacionados à violência doméstica.

Em entrevista ao g1 após o ocorrido, o delegado relatou que, mesmo com 19 anos de atuação na Segurança Pública, nunca tinha passado por uma situação dessa.

“É algo que pega de surpresa, ainda mais nesses tempos atuais em que as pessoas cada vez mais estão informadas. A tendência é diminuir e não ser de forma tão implícita. Fiquei sem ação, depois fui alinhar as ideias”, lamentou.

O delegado recebeu notas de apoio, tanto da direção da Polícia Civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Acre (OAB-AC) e Associação dos Delegados de Polícia Civil do Acre (Adepol-AC).