Natural de Álvares Machado (SP), Lucas Perozzi Jorge está no leste europeu desde 2004 e contou ao g1 que há 28 pessoas, cinco delas crianças, abrigadas na igreja onde atua.
Enquanto muitos saem ou tentam deixar a Ucrânia, há quem prefira ficar. Uma dessas pessoas é o padre brasileiro Lucas Perozzi Jorge, de 36 anos, que tem como origem a cidade de Álvares Machado, no interior de SP. Ele está no país desde 2004 e, mesmo com a guerra, não pretende abandonar o lugar em que ele conta que cresceu, evoluiu e se ordenou sacerdote da Igreja Católica.
A paróquia em que o religioso trabalha, em Kiev, tornou-se um refúgio para quem busca proteção contra a guerra. O local abriga, no momento da publicação desta reportagem, 28 pessoas, cinco delas crianças.
“Eu sempre tive a certeza de ficar aqui. Já me falaram para voltar, mas aqui é o meu lugar, o lugar que eu escolhi para compartilhar, seja na alegria ou na guerra”, contou ao g1.
Quando o conflito entre a Rússia e a Ucrânia começou, na semana passada, ele estava fora de Kiev, onde mora.
“Eu estava no extremo oeste da Ucrânia, onde está um irmão. Eu estava fazendo um curso e soube da explosão da guerra e decidi voltar o mais rápido possível”, disse.
A Paróquia Dormição da Santíssima Virgem Maria, onde ele mora, fica a cerca de meia hora do Centro de Kiev. Jorge chegou ao local no período da noite, pouco antes do toque de recolher.
“Tem mais pessoas que moram aqui. Estamos em quatro padres, outras duas pessoas que nos ajudam e as pessoas sem casa. Nós estamos acolhendo quem precisa de um local”, falou.
O acolhimento aos ucranianos e o apoio espiritual são o que o fizeram ter certeza sobre ficar no país. “É uma grande responsabilidade. Eu tenho de levar a palavra de Deus não somente porque sou padre, mas por ser cristão”, falou.
A guerra no leste europeu teve início no dia 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. O Ministério do Interior da Ucrânia informou neste domingo (27) que 352 civis ucranianos já foram mortos durante o ataque russo, incluindo 14 crianças, segundo informou a agência de notícias Associated Press (AP).
Ainda segundo o ministério, 1.684 pessoas, incluindo 116 crianças, ficaram feridas durante a invasão. O ministério não forneceu informações sobre baixas entre as forças armadas da Ucrânia.
A Rússia, por sua vez, alegou que suas tropas estão atacando apenas instalações militares ucranianas e disse que a população civil da Ucrânia não está em perigo. A Rússia também não divulgou nenhuma informação sobre baixas entre suas tropas. O Ministério da Defesa russo reconheceu no domingo (27) apenas que soldados russos foram mortos e feridos, sem fornecer números.
Abrigo abaixo do nível da rua
O padre afirmou que os paroquianos pediram para ficar na igreja porque não conseguiram uma vaga em um bunker, que é um espaço anti-bombas.
Jorge explicou que a paróquia tem três andares, um deles fica abaixo do nível da rua, feito com uma estrutura de metal. Esse espaço mais reservado agora serve de dormitório.
“Não é um bunker e não chega a ser subterrâneo, porque é fechado somente na parte da frente, que fica abaixo do nível da rua, mas é visível por trás, onde há um lago. Estamos arrumando para ficar mais digno para as pessoas”, explicou.
A conversa da reportagem do g1 com Jorge foi por ligação telefônica, por volta das 23h no horário de Kiev (18h no horário de Brasília). Não foi possível fazer uma chamada de vídeo porque a orientação era que as luzes ficassem apagadas.
“Com a luz acesa, ficamos muito expostos aos inimigos, viramos um ponto de referência. Por isso, a orientação é para não acender as luzes. É uma forma de segurança”, frisou.
Durante o dia, ele comentou que as tarefas foram divididas. “Um amigo saiu para comprar comida, e eu fui fazer a missa na casa de umas freiras que têm um orfanato. Depois, fui buscar remédios e coisas de primeiros-socorros. Estamos tentando fazer um estoque de água e comida”, destacou.
Espera e oração
Jorge comentou também sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia. “O povo já sofreu muito com outras guerras, muitos locais foram destruídos”, lembrou.
Mesmo há quase duas décadas no leste europeu, ele não imagina viver em meio a uma guerra.
“Agora é momento para esperar, rezar bastante até que a guerra passe. Uma coisa que me consola é que um dia eu vou morrer, um dia você, que está no Brasil, vai morrer também. De um jeito ou de outro, todos vamos morrer. Eu não sei o que vai acontecer, se eu vou morrer aqui. Mas o que me dá esperança é a promessa da vida eterna”, enfatizou ao g1.
Jorge deixou o Brasil quando foi convidado para ir para a Ucrânia, em 2003, durante um seminário na Itália. Antes de se fixar na Ucrânia, em 2004, ele ficou um breve período em Varsóvia, na Polônia. Sua ordenação como padre foi em 2013.
Os retornos para Álvares Machado, que fica no interior do Estado de São Paulo, a uma distância de mais de 11,3 mil quilômetros de Kiev, foram somente em férias para visitar a família. A última vez foi no ano passado. “Estão todos preocupados”, lamenta.
O padre disse que, mesmo presenciando momentos de tensão e horror, com perdas de vidas e incertezas causadas pela guerra, não tem dúvidas sobre a existência de Deus.
“Muitas pessoas me perguntam onde está Deus, por que ele permite tudo isso? Deus está aqui. Está nas pessoas. Está nos padres que deixaram tudo, não se importando com suas próprias vidas para ajudar espiritualmente. (…) Eu não tenho dúvidas sobre a existência de Deus e, se tivesse, eu estaria ferrado, porque é o único apoio que eu tenho”, explicou.