Moeda norte-americana bateu os R$ 5 e tendência é de que caia mais; mas eleições, tensão na Ucrânia e juros nos EUA são fatores de pressão
O dólar cravou os R$ 5 nesta terça-feira (23), fechando no menor valor desde 30 de junho de 2021. No ano, a moeda já caiu 10,23%. Mas até onde vai essa desvalorização por aqui? Segundo analistas consultados pelo CNN Brasil Business, o dólar pode cair ainda mais no curto prazo. No entanto, fatores como as eleições no Brasil, os juros nos Estados Unidos e a tensão entre Ucrânia e Rússia podem fazer com que a moeda volte a subir e encerre o ano acima de R$ 5.
Mesmo assim, o cenário para o dólar neste momento é bastante diferente do de 2021, e caso os fundamentos por trás do fluxo atual de valorização do real perdurem, a tendência é que a moeda norte-americana encerre o ano em patamares menores do que os verificados no ano passado.
Causas da desvalorização
Patricia Palomo, diretora de investimentos da Sonata, atribui a queda do dólar a “assimetrias” que os investidores estrangeiros identificaram e tornaram o mercado brasileiro mais atrativo do que outros, em especial o norte-americano.
Nos Estados Unidos, os investidores já começaram uma saída das bolsas em antecipação às altas de juros que o Federal Reserve, banco central do país, anunciou devido à alta inflação.
Essa perspectiva não é exclusiva do país de Wall Street. Victor Scalet, estrategista macro da XP, afirma que “a discussão de política monetária no mundo é de juros mais altos”. Esse ambiente faz com que investidores deixem de comprar empresas de lucratividade baixa no curto prazo, e migrem para as mais consolidadas, que geram bastante caixa.
“Nossa bolsa é muito concentrada em bancos, commodities, tem essa característica que eles estão procurando”, avalia.
Palomo também cita ações bastante descontadas (quando a cotação é considerada abaixo do potencial e pode subir) devido à saída de capital em 2021, quando os investidores estrangeiros enxergaram um risco de descontrole fiscal e desrespeito ao teto de gastos com a chamada PEC dos Precatórios.
Naquele período, o dólar subiu e voltou a patamares do auge da pandemia, quando os investimentos migraram para a moeda, que chegou à casa dos R$ 5,80.
As ações caíram ainda mais quando os juros subiram, com a migração interna do investidor para a renda fixa. Nesse cenário, segundo Scalet, o fluxo estrangeiro se voltou tanto para a renda fixa quanto para a variável, e como consequência dólar caiu.
André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, destaca também a influência das empresas de commodities na bolsa de valores. “O preço das commodities continua em um patamar adequado, como petróleo, minério de ferro, alimentos”.
Isso torna empresas ligadas a esses produtos atrativas para os investidores, favorecendo a entrada de capital. A moeda brasileira foi a que mais se valorizou em 2022 até agora, mas foi acompanhada das de outros grandes produtores de commodities, caso do Chile e da África do Sul.
Perfeito também avalia que o mercado já precificou o risco fiscal do governo federal. Então, mesmo que a situação fiscal ainda não esteja equacionada, o dólar acaba tendo espaço para movimentação.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, afirma que a perspectiva de que os Estados Unidos começarão a subir juros mais para o meio do semestre criou um cenário em que, até que a alta ocorra, os investidores globais alocarão recursos de curto prazo para aproveitar boas oportunidades de lucro, como as oferecidas pelo Brasil.
“Pelo fluxo da moeda, já era para o real estar valorizado há muito tempo, mas tinham outros fatores de interferência, como inflação, preocupação com situação fiscal, que gerava um ambiente de incerteza”, diz. Com o alívio desses elementos, a alta do real foi favorecida.
Outros analistas apontam, ainda, que muitos investidores têm menos preocupações no momento com a eleição de 2022, e seus possíveis resultados para o quadro fiscal, ajudando o real.
A queda do dólar vai continuar?
Perfeito afirma que os fatores que estão levando à desvalorização do dólar devem continuar ao longo de 2022. O primeiro é a alta de juros, que o Banco Central já indicou que deve continuar. O mercado estima a Selic em até 12,75% ao ano, enquanto o valor atual é de 10,75%.
Nesse sentido, o economista recomenda ficar atento aos dados de inflação. O IPCA-15, considerado a “prévia da inflação”, de fevereiro veio acima do esperado, reforçando apostas em altas maiores na Selic, mas dados em linha com o projetado ou levemente menores podem enfraquecer essa perspectiva, beneficiando menos o real.
Outro fator que impactará no dólar é o movimento de alta de juros pelo Federal Reserve. Se as altas forem maiores que o esperado, a moeda norte-americana tende a valorizar pela atratividade maior. Mas se as altas forem menores, o real é favorecido.
Agostini diz que “se os Estados Unidos subirem e indicarem os juros terminando em 1,5% em 2022, vai ter ajuste de fluxo para o país, e o real vai desvalorizar um pouco mais”.
Há, ainda, a tensão entre Ucrânia e Rússia. O economista da Austin Rating avalia que “se houver uma guerra, pode desencadear uma situação global muito ruim, com o dólar valorizando. Se o quadro atual for revertido, aí o foco na economia passam a ser os juros dos EUA”.
Para Perfeito, a tensão na Ucrânia pode ter efeitos reduzidos para o real, com o Brasil se aproveitando de uma distância da região. “As commodities tendem a subir se houver piora do quadro, o que não é necessariamente ruim para o Brasil”.
“Se tiver guerra, os investidores vão correr para os EUA e títulos deles, e os juros lá podem acabar não subindo tanto. [O cenário de conflito] É neutro para levemente positivo para o Brasil”, afirma.
Scalet diz que o dólar pode continuar a cair no curto prazo, mas coloca em dúvida a sustentabilidade desse movimento.
“Nossos modelos sugerem que o câmbio mais apropriado para o Brasil pelas contas externas seria entre R$ 4,70 e R$ 4,30, mas isso já vem de muito tempo, e chegamos a R$ 5,80, essa diferença vem pelos riscos do Brasil”, diz.
A combinação de uma situação fiscal complicada, com desafios estruturais, e o ano eleitoral, tradicionalmente volátil e com mais riscos, junto a dúvidas sobre as políticas dos principais candidatos, criam um ambiente de incerteza que os investidores estrangeiros não costumam gostar. Combinando esses fatores, o estrategista vê o dólar ao fim de 2022 entre R$ 5,10 e R$ 5,20.
Exatamente pelas incertezas eleitorais, a Austin Rating projeta o dólar a R$ 5,60 ao fim de 2022.
“A tendência é de o real voltar a desvalorizar dependendo dos juros dos Estados Unidos, mas pode ver valorização no curto prazo. Até o fim do ano, depois das eleições, o dólar deve subir independente de quem ganhar, até ter certeza do que será feito a partir de 2023”, diz Agostini.
Já a Necton projeta o dólar a R$ 5, devido aos juros altos no Brasil e a expectativa de que “os eventuais ruídos que podem ocorrer ao longo do ano —notadamente eleições, guerra na Ucrânia ou mesmo os juros nos Estados Unidos— devem ter efeito reduzido uma vez que hoje já estão presentes e não foram suficientes para reverter o fluxo”.
Palomo avalia que o fluxo de investimentos naturalmente reduzirá o tamanho das assimetrias atuais, diminuindo a atratividade para os investidores.
“Se o fluxo continua, a pressão de valorização [do real] continua, mas quanto mais as assimetrias forem corrigidas, o movimento vai perdendo força. A balança comercial pode começar a ajudar, com as exportações superando as importações, e isso dá um novo impulso para o movimento”, diz.
“O dólar é um recurso volátil, fluído. Os estrangeiros querem assimetrias, não é uma aposta no Brasil. Se outro lugar mostrar assimetria, vão migrar para lá”, acrescenta a diretora de investimentos da Sonata.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia que não houve uma “alteração substantiva do fundamento Brasil”, com o risco fiscal se mantendo em projetos como a PEC dos Combustíveis. “No final das contas, eu vejo esse R$ 5,05 com um potencial de alta”.
“Eu não vejo aí um fundamento por trás, tem muita gente falando de análise gráfica e outras coisas, mas sinceramente, vejo um ambiente de incerteza muito grande, principalmente em um ano eleitoral”, conclui.