Cruzeiro do Sul, Acre 23 de novembro de 2024 15:40

“Agora a gente pode, finalmente, ter a nossa vida”, diz Rosangela Moro

Com a voz rouca, sentada entre caixas de mudança de seu apartamento em Curitiba e uma série de entrevistas agendadas, a advogada tributarista Rosangela Moro, 46, explica que deu “raríssimas entrevistas” quando seu marido assumiu a operação Lava Jato, em 2014, ou quando tomou posse no Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, em 2019. Não foi diferente quando o marido deixou o governo, em abril deste ano. Rosangela remete aos constantes assédios e à curiosidade que “as pessoas e a imprensa” têm sobre ela e o marido o motivo pelo qual decidiu escrever “Os Dias Mais Intensos – Uma História Pessoal de Sergio Moro” (ed. Planeta), lançado recentemente. “Pensei em escrever porque aí não preciso dar entrevista, colocaria no livro tudo o que eu tenho para contar de uma vez. Estou virando uma página das nossas vidas. Foi um capítulo dele na função pública que a gente encerrou”, explica ela, que atua com associações de defesa das pessoas com deficiência e também com doenças raras desde 2009 e é também autora dos livros “Regime Jurídico das Parcerias das Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública (ed. Matrix) e “Doenças Raras e Políticas Públicas: Entender, Acolher e Atender (ed. Matrix)”. De fato, Moro encerrou um capítulo na vida pública, mas Rosangela, ao contrário do que previa, está dando mais entrevistas. Nesta, concedida a Universa por vídeo, conta que agora, sim, o casal terá sua vida de volta, fala sobre seu mergulho no tema violência de gênero, que até rendeu projeto para atender agressores, e da discussão com o marido por causa de um post. A conversa aconteceu dois dias antes da notícia de que o ex-juiz fora contratado pela consultoria norte-americana Alvarez & Marsal, na função de sócio-diretor para a área de Disputas e Investigações, conforme informou a companhia em nota. Entre os principais clientes da empresa, está a Odebrecht, uma das construtoras mais afetadas pela Operação Lava Jato. “Na iniciativa privada, há um campo muito grande para se fazer o trabalho anticorrupção. É o spoiler que posso te dar”, disse ela quando perguntada sobre o novo trabalho do marido. “Agora a gente pode, finalmente, ter a nossa vida, exercer nossos trabalhos.” Sem planos definidos para 2022 Em nenhum trecho das 142 páginas do livro, em que exalta a carreira do marido e relata a “fritura” a que Moro foi submetido, Rosangela faz menção à eleição presidencial de 2022, nem mesmo comenta as especulações de candidatura de seu marido ao Planalto. “É tudo por especulação. Sergio nunca se colocou como candidato. Hoje a gente está em 2020 e no meio da pandemia. Acabou essa fase da função pública dele. Agora a gente está focado nele se inserindo na iniciativa privada. Nossos projetos não vão até 2022”, diz ela. “Nem passa pela minha cabeça isso, porque a gente tem um turbilhão de trabalho, de atividades para desenvolver. Não é muito da minha personalidade também ficar imaginando [como seria Moro na Presidência]. Sou mais prática e mais pé no chão. É um dia de cada vez.” Confissão: voto no PT em 2002 Na página 104, uma confissão: “Digo com tranquilidade que já votei no PT, em 2002, mas no PT de 2018 eu não queria votar. Bolsonaro surgiu no cenário como um outsider, alguém que seria ‘fora do sistema’ e que se propunha a mudar os rumos do país. Alguém que se mostrava disposto a combater a corrupção e o foro privilegiado, os quais contribuem para o nosso atraso como nação e para a impunidade”. Tomando cuidado com as palavras ao se referir ao presidente Jair Bolsonaro, Rosangela evita assumir uma posição política num momento pós-eleição em que partidos de centro-direita e direita cresceram. Geralmente, procuro me afastar desses rótulos. Prefiro falar assim: ‘Compactua com esses extremismos? Não. Com o mercado liberal? Sim. Programas de assistência social para os vulneráveis? Sim’. Prefiro que a pessoa conclua a partir de bons projetos para o país. Perguntada se voltaria, eventualmente, a votar em um partido de esquerda, ela sugere que se avalie candidatos pelos projetos que oferecem. “Acho que o Brasil precisa de bons projetos na saúde, na educação, na segurança. Então eu acho que mais do que você olhar para a pessoa, é preciso olhar com qual projeto a pessoa pode contribuir para resolver os problemas do país.” Ainda é ‘mimimi’ reclamar de Bolsonaro? Dias após Bolsonaro assumir o poder, em janeiro de 2019, Rosangela fez um post no Instagram pedindo que as pessoas parassem de reclamar e esperassem para ver a que veio o novo governo. “Redução de custos, corte de despesas desnecessárias, zero propina. Chega de MIMIMI. Apenas espere e assista!”, foi um dos trechos. O post não existe mais em sua página. Em outros, ela chega a criticar o presidente. No fim de novembro último, foi irônica ao escrever: “Ainda bem que vivemos em um país que não tem covid, que não tem corrupção, não tem apagão, que não tem negacionismo, que tem moeda forte, que é seguro, que os serviços públicos funcionam, que professores são reconhecidos, que não tem reeleição por emenda, que tem um líder estadista e não tem abalo em relações diplomáticas!”. No livro, Rosangela não fez ataques diretos nas 45 vezes em que escreveu o nome de Bolsonaro. Disse, entre outras coisas, que percebeu que “mais dia, menos dia o sistema detonaria Moro para se proteger ou para impedir avanços anticorrupção”. Não falou em traição nem deu detalhes de brigas mais acaloradas. Questionada se hoje dá razão hoje ao tal “mimimi”, ela diz que não se tornou crítica ao governo. “No segundo turno de 2018, votei no presidente. Eu acreditei naquele discurso, na promessa, nas falas de campanha. Era um projeto que agradou a mim. Ele se cercou de pessoas absolutamente técnicas que depois, por um outro motivo, não deixou exercerem com autonomia e independência as suas aptidões. Tinha na promessa de campanha também o compromisso com o combate à corrupção, um dos motivos pelos quais ele convidou Sergio. Por algum motivo isso se perdeu. Foi vendido uma coisa, e o pacote entregue foi outro”, aponta. Não é certo dizer que sou crítica ao governo. Como eleitora e cidadã, não fico feliz com que o que estou assistindo hoje. Mas mudou opinião? “Você vai aprendendo e muda de opinião. Não pode se cegar. Naquele momento, eu achava aquilo ‘ok’. Hoje, vendo o Brasil como está, a situação é outra.” A resposta foi seguida por outras duas questões: A senhora considera que Sergio Moro foi traído pelo presidente? “Eu considero que venderam um pacote e entregaram outro.” E Moro errou em algum momento? “Não tenho nada para apontar que ele tenha alguma coisa de errado.” “Decidi largar meu início de carreira por amor” Rosangela conta no livro que escolheu em alguns momentos priorizar a carreira do marido. “Eu buscava a independência, mas a vida me apresentou o Moro e tive que fazer uma escolha”, escreve ela. Mas ela diz que, se abriu mão de sua carreira em alguns momentos, também houve cumplicidade no casal. “São opções que a gente faz. Quanto ao início da carreira, também podia exercer minha profissão em outra cidade. Tinha audiência praticamente todo santo dia. E o Sergio sempre foi muito respeitoso com a minha atividade profissional. E muito parceiro. Retribuiu muito nas minhas ausências, principalmente no cuidado dos nossos filhos. A gente tem uma cumplicidade. Não sei dizer qual o segredo [para o casamento dar certo]. Essa é a nossa fórmula, e a gente está conseguindo dar conta.” Na contracapa do livro, Sergio Moro escreve: “Nada seria possível se essa verdadeira ‘Dama de Ferro’ não estivesse ao meu lado”, fazendo uma referência ao famoso apelido de Margaret Thatcher. A inglesa tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido em 1979 e foi a precursora do neoliberalismo. “Eu entendo que ele quis dizer que sou parceira dele. Nos momentos que ele precisou, pôde contar comigo segurando a barra aqui, fazendo tudo da família”, explica. Projeto quer reinserir agressores na família Em meados de 2019, Rosangela recebeu um chamado do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, para atuar no combate à violência contra a mulher. Diz que não aceitou por configurar nepotismo, já que o marido era ministro, e também por não ter expertise sobre o tema. Mas logo após o convite, ela, que tem um escritório de advocacia formado por mulheres, aproximou-se de uma promotora que atua na área. Passou ainda a buscar mais autoras mulheres: “Adorei o livro da Michelle Obama [‘Minha História’) e agora estou lendo ‘Uma Terra Prometida’ [do ex-presidente americano Barack Obama]”. Ela, então, criou o projeto “Reação”, voltado para homens agressores. A ideia é montar um grupo reflexivo, com psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, e que atenda dez homens enquadrados na Lei Maria da Penha, dentro da Casa da Mulher Brasileira, em Curitiba. Mas falta agora a chancela do Poder Judiciário, órgão responsável por encaminhar o agressor. Com a pandemia, porém, a impossibilidade de reunir grupos freou o projeto. “Eu não minimizo o direito da vítima, mas acho que quando você trata o agressor, você traz ele de novo para o núcleo familiar. É importante manter a estrutura da família, e tentar entender o que leva o agressor a ser dessa maneira, e tentar ajudar com as terapias.” Fonte: UOL