O poder de clemência conferido ao presidente é frequentemente confundido com abuso de poder quando beneficia aliados ou serve a seus interesses pessoais. Nos EUA, casos controversos caracterizam esta prerrogativa dada ao mandatário para perdoar indivíduos por crimes federais – respaldada pela Constituição e pela Suprema Corte.
O mais recente é o de Steve Bannon, ex-estrategista-chefe do então presidente Donald Trump, indiciado por fraudar milhares de pessoas numa campanha pela internet para arrecadar fundos que seriam usados na construção de um muro na fronteira com o México.
Nas horas finais de seu mandato, além de Bannon, Trump usou seu poder de indulto para perdoar 70 pessoas, em grande parte financistas e lobistas, e comutar penas de outras 73. Essa farra de perdões incluiu políticos implicados na investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016, como o ex-conselheiro de segurança nacional Michael Flynn e o ex-coordenador da campanha Paul Manafort.
Fora do governo, o ex-presidente foi além: prometeu que, se eleito em 2024, perdoaria qualquer pessoa condenada pelo ataque ao Capitólio, incentivado por ele, em 6 de janeiro de 2021. Isso porque ele entende que os insurgentes que vandalizaram a sede do Congresso americano, partidários de extrema direita, em sua maioria, estão sendo tratados de forma injusta.
Como presidente, Trump, no entanto, apenas seguiu a tradição de seus antecessores. Ao assumir o lugar de Richard Nixon, durante o escândalo do Watergate, em 1974, Gerald Ford o perdoou por qualquer crime que ele pudesse ter cometido como presidente. A medida lhe custou a reeleição.
Richard Nixon, em foto de 1972 — Foto: AFP
Bush Pai, por exemplo, indultou o ex-secretário de Defesa Caspar Weinberger e outros cinco condenados no escândalo Irã-Contras – o desvio ilegal de verbas obtidas com a venda de armas para o Irã, no segundo mandato de Ronald Reagan, para financiar guerrilheiros contrários aos sandinistas.
No último dia de mandato, Bill Clinton usou a caneta presidencial para indultar 140 pessoas, desencadeando o escândalo conhecido por Pardongate. Um dos perdoados era Roger, irmão do presidente, condenado por tráfico de drogas.
Também beneficiado por Clinton, o bilionário Marc Rich estava foragido desde 1983 na Suíça, sob acusação de evasão fiscal. Sua ex-mulher Denise teria sido uma das doadoras da campanha de Hillary Clinton para o Senado e da Fundação Clinton. Criticado por republicanos e democratas, o ex-presidente admitiu, anos depois, que o perdão a Rich manchou sua reputação.
Conforme analisou a jurista Caroline Fredrickson, que presidiu a American Constitution Society, num artigo para o Brennan Center for Justice, o dispositivo constitucional permite que o presidente sane injustiças e mostre misericórdia, mas a amplitude desse poder também o torna suscetível ao uso indevido. É o que evidencia, no Brasil, a graça constitucional concedida pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira.